terça-feira, 16 de outubro de 2012

O CIDADÃO O JAVALI O ESTADO E OUTRAS QUEIXAS


“Há queixas que são mais um desabafo do que uma queixa e há queixas muito sérias; desde a queixa simples à que é muitíssimo complicada. Vou-lhe contar dois casos, que são recentes e me deixaram estupefacto.

Houve um cidadão – isto foi há muito pouco tempo – que se queixou – isto com toda a seriedade – por esta razão: ele ia a guiar o seu carro, que era um carro novo comprado há pouco tempo, numa estrada de Trás-os-Montes, e, de repente, vê ao lado um javali em grande velocidade que vai embater no carro. Conclusão disto: o javali desapareceu, cheio de vida e de saúde através dos montes, e o carro ficou bastante abalado com o embate. E, então, o senhor veio-me dizer isto: Sr. Provedor isto aconteceu, está aqui o meu carro, tirei fotografia, há testemunhas de como o carro ficou, peço-lhe uma indemnização do Estado.
Bom, isto é de facto uma queixa atípica. Nunca me tinha passado pela cabeça que isto fosse possível. Dirigimo-nos à Direcção Geral das Florestas, e à Agricultura, e perguntamos como era isto dos javalis. Verificámos também qual era a legislação e depois chegámos, de facto, a essa conclusão: há zonas do País em que se sabe da existência de Javalis. Nessas zonas, o Estado é obrigado a colocar nas estradas as placas de sinalização denunciando que há javalis, de forma a que o condutor tome as devidas precauções. Naquela zona – foi-nos comprovado pela Direcção Geral das Florestas (e nós não podemos duvidar) – nunca tinha aparecido um javali, portanto não existia lá a placa. Bom, a queixa teve de ser resolvida assim: nós dissemos ao cidadão: não vemos aqui que exista culpa do Estado, porque de facto está provado que é uma zona onde nunca foi assinalado um javali, mas como apareceu pela primeira vez vai ser assinalada a estrada. Entretanto, nunca podemos dirigirmo-nos ao Estado para que lhe pague uma indemnização, visto que não há aqui provada uma culpa objectiva, sequer, do Estado como causador desse acidente. Aí tem uma queixa que é séria, obviamente mas que é atípica”.
In “Justiça e Cidadania”  (suplemento do jornal "O Primeiro de Janeiro", dedicado exclusivamente a questões jurídicas) 25 de Fevereiro de 2002