segunda-feira, 29 de outubro de 2012

ODE AO COLONO PORTUGUÊS

anónimo desbravador da brenha virgem
deixou
na aldeola natal
a jaleca garrida dos dias de romaria
abandonou
os pais já velhos e a noiva prometida.
mochila às costas
botou-se  mares a dentro
rumo aos sertões ignorados das terras novas
que à terra velha o Português ia mostrando
emagreceu-lhe o rosto
lá nesses mundos de perdição
bronzeou-se-lhe a pele
à torreira ardente do sol dos trópicos
calejaram-se os dedos
ao romper o solo duro e estranho
não vacilou um só instante
trabalhador infatigável homem de tempera rija
machada a machadada
derrubou o emaranhado da selva inóspita.
sacha que sacha
arcou sozinho com a canga da desilusão
o travo amargo da derrota.
depois
na roda dos tempos
o tempo rodou.
outros vieram
gerações novas
criaram novas gerações
e o colono ficou para trás
esquecido na loucura do futuro
e na tontura do progresso
velho e alquebrado
pendurou o ancinho num prego da parede
lançou o último olhar
sobre a imensidão daquela terra amarga
cumprida a missão em que se empenhara
ficou descansando
na campa fria e sem lápide
dos heróis desconhecidos

Escrito pelo Henrique aos 17 anos.quando frequentava o 1º ano da Faculdade de Direito da Universidade Clássica, Lisboa, 1958