domingo, 10 de julho de 2011

FÉRIAS EM SÁ DA BANDEIRA (1961)

Cheguei hoje. A minha viagem não teve história – foi banal e normal. Apenas não avisei os meus pais da data certa em que chegaria e, por isso, fiz-lhes a surpresa de aparecer repentinamente em casa!

É terrivelmente estranho, mas não me sinto feliz. Pelo contrário, é uma grande tristeza e uma grande saudade o que me vai cá dentro. A nossa Angola está ferida. E eu também é como se tivesse sido ferido com ela. Sou extremamente sensível para encarar as coisas de frente, com objectividade.

Não. Eu não nasci para matar, eu não nasci para ver o mundo em guerra, eu não nasci para uma época como a que atravessamos. Eu não posso pensar que este sossego de Sá da Bandeira pode ser o prenúncio de tempestade; eu não posso saber que estas ruas desertas representam o medo dos homens brancos; eu nunca sonhei que tivesse de dormir com as janelas e as portas fechadas e que à minha mesa de cabeceira estivesse uma pistola para o que desse e viesse. Tudo isto me entristece profundamente.

Que mal teríamos feito nós, os homens brancos, para sofrermos este castigo? O medo, a ânsia, a dúvida, são os piores sentimentos que podem pairar no coração dos homens. E nós, por muito que se diga o contrário, vivemos hoje dentro do medo e da expectativa pelo futuro. O futuro… nunca ele foi uma incógnita tão grande.

Sinto dentro de mim a imensidão de Angola e a pequenez do homem branco e a desconfiança com que nos olha o negro. E é isto modo de viver? Onde está a nossa Angola? Onde está a nossa querida terra, aquela que nos habituamos a ver na paz e no amor? Procuro-a e não a encontro. Porque o silêncio que outrora era paz, agora é expectativa; porque a paz que outrora era tranquilidade agora é medo; porque as portas já não estão abertas, as ruas estão desertas e nunca se sabe o que se esconde na periferia da cidade.

Nós confiamos num futuro melhor. Nós temos esperança em dias melhores. O que me custa, o que me dói, é não ter encontrado a minha Angola. Não acredito que tenham sido os homens da nossa terra que a fizeram sangrar assim. Não pode ser. A coisa vem de fora, vem da luta que o mundo trava. Ninguém sabe para onde vai o mundo, e porque não há paz, nem felicidade, nem alegria é que eu sinto toda esta tristeza imensa.

Sá da Bandeira 4 de Agosto de 1961