sábado, 16 de julho de 2011

NOITE NO CHINGUE (4)

- Nha Caçola - atentai, pois – palmilhava a terra há tanto tempo, que seus pés estavam gretados de tanto andamento. Descera ao mundo num raio de sol, trazendo de Calunga, senhor dos Deuses, os estranhos feitiços e as suas ordens. “Nha Caçola – disse-lhe decerto o grande Calunga-; vai lá abaixo e cruza as anharas. Entra nos bosques e sobe os riachos, fareja as senzalas e dormita nos chingues. Hás-de ver, por minha conta, quais os homens que são bons e os que são maus. Os primeiros – eu te ordeno, oh Nha Caçola cobre-os de honra e dá-lhes venturas; aos outros – nunca te esqueças – manda-lhes o vento e o trovão, a chuva e a lama, todos os males que tu entenderes”. Assim, gentes deve ter conversado Calunga com a mensageira do céu – e Buala Nambuco dedilha umas notas mais do seu quissange. Mal respirando, os negros fitam-no sem pestanejo, grossas argolas de fumo a fugirem da mutopa para o tecto.

- Deambulou Nha Caçola pela terra anos a fio. De libata a libata, de povo em povo, conheceu as coisas do mundo e de tudo tomou nota. Até que uma tarde, longo caminho deixado às costas, chegou ela à chana mais vasta que seus olhos já tinham topado. Ih, gentes, que terra tão farta! Sabeis do gado de Samba Muquilo, que enche as planícies de todo o Cunene?

- Oh, sim, sabemos! - responderam-lhe os outros.

-Pois havia lá mais bois que os bois juntos de Samba Muquilo! - estica os braços o velho, como a abarcar com eles a imensidão. E prossegue:

-Do cimo de uma lombada, ficou-lhe Nha Caçola contente por ver o povo em faina aturada.

Mas, com tão pesado caminhar nas pernas, vá de sentir pelas entranhas uma fome glutona e na boca a secura da sede. “Me hão-de dar um naco de funge para matar o bicho e uma cabaça de água para molhar a saliva”- e pensando assim, foi costa abaixo, rumo à banca de Iunculo-Mbebe, o soba da terra. Andrajosa e cansada, chegou-se então Nha Caçola ao meio das gentes e pediu agasalho, por caridade:

- “Oh boa gente desta terra rica, quem dá um pouquinho de funge a uma velha faminta?” – Mas os homens - quereis ver – encolheram os ombros, de altivos. Cuspiram no chão e tornaram ao trabalho sem se deterem. Nha Caçola ficou confusa. Lhe repetiu:

- “Oh boa gente desta terra rica, quem dá um resto de água a uma velha sedenta?”- Por sua vez, pararam as mulheres de sachar as lavras e olharam a mendiga da carapinha aos pés.

Então um chorrilho de risadas estoirou, pelo burlesco da figura dela. “ Que feia! Que velha! Tão rota!”- e as mulheres voltaram a semear os valados.

- Foi repelida assim – ficai sabendo, oh gentes – a velha Nha Caçola, serva de Calunga – e pediu Buala Nambuco uma golada de marufo.