sexta-feira, 15 de julho de 2011

NOITE NO CHINGUE (3)

A nudez dos rostos acentua-se. Há caras marcadas por um ricto de angústia. E expressões de tristeza, de cansaço, conformadas, sem revolta. Sombras esgueiram-se de encontro às paredes do Chingue. Então Buala Nambuco gagueja comovido:

- Mâma… não chore assim. Nossa terra é nossa terra, você não sabe? E nossa terra é boa, mãma Nhirica. Tala Mutebe há-de vir amanhã com nhâma para todos. Olhe sô mâma Nhirica:

não vê a lua escondida e o mato quieto? O vento sem asas e a noite escura? Anda caça no capim verde dos carreiros. E Tala Mutebe, quando chegar, ouvirá as gomas e os tchingufos anunciarem a festa do nosso batuque. Ai, mâma Nhirica, a nossa terra é boa ainda - sorri melancólico, enquanto a velha se fica enxugando o pranto ao sêbo da tanga.

- Tala Mutebe muala aquindoluque… - repetem os outros a voz sumindo-se, não vão os espíritos entender o desejo das gentes e o grande Zambi desfazer de um sopro a esperança ao povo. - Tala Mutebe há-de voltar… - como que a rezar, cabeça baixa, olho espantado, beiçana estendida…

-Ei gentes, querem saber uma história? Uma história velha, velha como a manha do coelho? – Buala Nambuco pula a custo do chão espalmado da cubata, vai ao fundo do chingue e, em passadinha de pardal, de lá torna, acariciando na mão escura o quissange com que acompanha as arengas longas das noites maduras. Pernas cruzadas, seus dedos esguios percorrem com vagar as tiras metálicas do instrumento. Formando círculo, os pretos chegam-se uns aos outros mais e mais. Mãe Nhirica parou de chorar e ficou agachada ao pé das panelas, enquanto as mãos chocando-se, começam o ritmo triste. Depois, tudo fica em silêncio.

-Foi na lua mais velha – escutai então, oh gentes – quando um povo vivia, rico e farto, nas terras que ficam agora sob o Lago do Feitiço. Farto e rico – ouvi bem – como outro não houve dez tiros de canhangulo à roda – as notas do quissange sobem, envergonhadas, primeiro, rápidas e fortes com o avolumar das palmas. Buala Nambuco ergue o rosto. E volta à baila, atento o povo:

- É uma história de barbas, oh homens! Veio da barriga dos séculos, tantas chuvas já caidas sobre ela que o mundo seria um grande mar se lhe quisesse saber os anos. Contou-me R’hicuje, o andarilho do quissange mágico; e a boca dos batedores dos matos carregou-a pelas veredas da selva e as canções dos dongueiros deixaram-na correr ao longo dos rios. Vou contá-la também, vós o quereis?

Heuá, heuá, velho Nambuco conta lá.