terça-feira, 26 de julho de 2011

SER-SE POETA

Este texto foi escrito há mais de cinquenta anos, em Lisboa, mas é intemporal. O Henrique foi assim, durante toda a sua vida!

" Se ser-se poeta é saber-se e gostar-se de escrever versos – então eu não o sou; mas se, pelo contrário, é amar a vida, ter uma alma eternamente sensível e enamorarmo-nos pelo que é belo – então eu sou poeta.

Tenho dentro de mim uma alma que sente, bate e sofre com a miséria, que luta e vibra com a alegria.

Houve um dia em que eu fui a criança mais criança deste mundo; em que tive a vida toda inteirinha dentro de mim, em que havia sol, luz e cor em todo o meu ser, em que vivi tão plenamente como jamais alguém poderá sonhar, em que vivi tão plenamente como jamais alguém pode viver: todos os dias da minha vida até vir para a metrópole.

Foi cá, unicamente, que aquela vida que sempre foi tão boa para mim me apresentou as primeiras decepções de sempre: duvidei, pela primeira vez, da palavra amizade como eu a entendia, sofri a ausência de tudo o que me era tão querido.

Senti o choque da mudança de um ambiente onde sempre encontrei bondade, compreensão e carinho para outro em que apenas os preconceitos e o cinismo parecem imperar.

Como criança pela idade e pelo sentir, eu sofri. Em Angola, encontrava sempre um sorriso franco, um horizonte cheio de poesia: e eu aprendi, nessa altura embora um pouco vagamente, que a vida é poesia, poesia é viver e viver é amar tudo e todos.

Fui a mais criança das crianças, porque amava a minha terra e as suas gentes. E a criança mais criança que eu era, tornou-se simplesmente criança! Roubaram-me somente aquele sorriso de garoto travesso que eu sentia sempre em mim; mas não me conseguiram roubar o resto: a fé e a alma. Nem nunca o conseguirão."