quarta-feira, 15 de junho de 2011

ANGOLA É NOSSA

As coisas em Angola parece que estão a piorar. Os meus pais receberam informações superiores segundo as quais está preparada uma sublevação geral da Huíla até Silva Porto, precisamente por estes tempos e acabaram por não ir passar esta quadra a Nova Lisboa. O meu pai diz que não acredita que haja algo de importância, mas pelo sim, pelo não, decidiram andar vigilantes. E como não pretendem ser heróis por gosto, acho muito bem que não se metam agora a fazer viagens, tanto mais que as condições de defesa naquela região são quase irrisórias. Eu não sei bem o que deva pensar. Estou convencido, sim, de que se houver algo na região central de Nova Lisboa e Sá da Bandeira, “eles” apanham pela medida grossa, pois são as regiões mais populosas em brancos. Mas já não sei se o mesmo aconteceria em regiões mais a sul, onde a densidade da nossa população é muito fraca e os meios de defesa quase nulos. Também não sei em que medida é que se pode contar com a pouca contaminação política que se verifica ao sul. Os acontecimentos, hoje, caminham a uma velocidade em que não parece possível aplicar-lhes as mesmas conjecturas que se faziam para os de aqui há uns tempos atrás. De qualquer maneira, as notícias não são agradáveis e eu fico pensando em que espécie de quadra festiva terão os homens do sul de Angola. Uma coisa é certa: defender-nos-emos. E não será com pezinhos de lã… Como quer que se passem as coisas, eu continuo a pensar que a nossa situação ficará definida dentro dos próximos anos, 2 a 3 no máximo. É um futuro de incerteza e queira Deus que não seja um futuro de dor. Confesso que não sei como as coisas se poderiam resolver a contento de todos. Possivelmente já não podem. Nós sabemos que bastantes coisas não estão bem e que poderiam ser emendadas; mas, talvez seja apenas pretensão entender que tais emendas nos salvariam. Há forças muito grandes que estão por detrás de nós, de nós homens de Angola, e que são superiores às nossas forças.

Talvez a sensação mais nítida seja a de que estamos dentro de um barco açoitado por uma tempestade e que não governamos esse barco nem temos a possibilidade de dominar a força da tempestade.

Segundo nos ensinaram, a nossa vida é marcada por Deus, embora Deus nos deixe uma larga possibilidade de nós próprios a governarmos. Mas, quando nós já não temos forças para marcar um certo rumo à vida e quando as nossas intenções são boas, será que Deus não pode intervir?

Não me consola sentimentalmente, nem me chega racionalmente o facto de se dizer que, então, os desígnios de Deus só Ele os sabe. É pouco. E é muito vago. Eis, portanto, que devemos esperar um 1963 sem paz real. Quando muito, uma calma exterior. Sinto que somos tão fracos e tão poucos para controlarmos a situação à nossa vontade, que a única coisa que se pode fazer é acreditar em Deus e recorrer a Ele

Lisboa 29 de Dezembro 1962