Outubro de 2005. Dias felizes no Brasil, estado de Santa Catarina, Florianópolis
domingo, 30 de setembro de 2012
sexta-feira, 28 de setembro de 2012
PRIORIDADE ÀS QUEIXAS
Introdução do relatório, (referente
ao ano 2000), que, por força de lei, a Provedoria de Justiça apresenta
anualmente à Assembleia da Republica.
“1. Nos termos constitucionais,
compete à Assembleia da República eleger o Provedor de Justiça. Fui eleito em
18 de Maio de 2000, com 162 votos a favor, 46 contra, 8 abstenções, 4 votos
brancos e 1 nulo. Sucedi, assim, ao Conselheiro José Menéres Pimentel, que
exerceu durante oito anos o cargo com indiscutível mérito. É com muito gosto
que lhe renovo publicamente a homenagem devida, a qual simbolizo na fotografia de
"passagem de testemunho" que antecede estas palavras.
2. No meu acto de posse, que teve
lugar em 9 de Junho de 2000, sublinhei que não teria cabimento adiantar uma
linha de estratégia ou um plano de acções para a Provedoria de Justiça antes de
testar com a minha própria experiência eventuais reorientações de actuação. Pouco mais de seis meses à
testa deste órgão do Estado não são de todo suficientes, como se compreenderá,
para firmar alterações de fundo, porventura, até, não justificáveis à luz do
capital muito positivo de intervenção que os meus ilustres antecessores emprestaram
à Instituição.(…)
3. Em primeiro lugar, deve assinalar-se a criação, em 22 de Fevereiro,
da extensão da Provedoria de Justiça na Região Autónoma da Madeira, sita no
Funchal, aspiração antiga do meu antecessor, a que ele próprio conseguiu dar
corpo após um prolongado processo iniciado em 1997. As nossas duas Regiões
Autónomas ficaram, assim, como era necessário, dotadas de uma estrutura a que
podem aceder com mais facilidade os seus residentes. É minha intenção vir a
reforçá-las, visto que em cada uma delas opera apenas um Assessor, com a
responsabilidade de centenas de queixas sobre as mais variadas matérias (211
processos entrados na Extensão da Madeira e 308 na dos Açores).
4. Em segundo lugar, assinalaria a apresentação ao Governo de um
projecto de alterações (reduzidas) à Lei Orgânica da Provedoria de Justiça, aprovada
pelo Decreto-Lei nº 279/93, de 11 de Agosto. Estas alterações visam,
essencialmente, o mencionado reforço das Extensões nas Regiões Autónomas e a
possibilidade de alargamento do horário de funcionamento da Provedoria de
Justiça, através de horários de trabalho mais alongados para o pessoal
administrativo e técnico-administrativo, por forma a melhor poder servir-se os
cidadãos.
5. Assinalaria, em terceiro lugar, a introdução de
procedimentos internos viabilizadores de maior celeridade na instrução dos
processos e de mais acentuada eficácia no tratamento das reclamações. Como se
pode verificar pelos dados estatísticos:
a) foram arquivados 8509
processos contra 7273 no ano anterior
b) foram organizados 5283
processos e definitivamente arquivados 3201, o que representa 60,6% dos
processos do próprio ano, ao passo que no ano anterior se tinham organizado
6687 processos e arquivado 2888 (43,34% dos processos desse ano);
c) diminuiu significativamente o
estado de pendência das reclamações: baixaram de 7135 em 1 de Janeiro de 2000
para 3901 no final do ano (diminuição de 45%). A leitura dos dados estatísticos
e dos respectivos comentários, constantes do capítulo seguinte, permitirão ao
leitor conclusões mais detalhadas sobre o movimento processual da Provedoria de
Justiça.
6. Incluem-se, como é habitual,
no capítulo referente à actividade processual, os casos mais significativos do
ano de trabalho. Abstenho-me de fazer referência a este ou àquele, até porque
muitos deles foram ainda analisados e decididos nos cinco meses finais do
mandato do meu antecessor. Ademais, admito que,
para o futuro, seja necessário reequacionar o modelo de apresentação das
queixas e reclamações com desfecho mais saliente, de modo a proporcionar visão
mais integrada do trabalho da Provedoria
de Justiça, que faculte aos cidadãos a percepção mais nítida dos vários
eixos de orientação que a pautam: a
protecção e a defesa dos direitos, liberdades e garantias, o controlo da
justiça e da legalidade do exercício dos poderes públicos, a detecção de
deficiências ou omissões legislativas e o favorecimento da melhoria dos
serviços públicos.”
H. Nascimento Rodrigues
quinta-feira, 27 de setembro de 2012
HÁ TRÊS ANOS
ESSE OUTRO MÊS DE SETEMBRO
tudo o que tenho
não quero
tudo o que sou
não desejo
a alma que te anseia
e me consome
é como nuvem
negra
de outono
prenha de chuva
ameaça refrescar
mas só aquece
promete limpar
mas enegrece
dá à luz
grossas gotas de aluvião
que transformam a rua
em chão
de lodo e lama
que cobre a minha alma
como um manto
de promessas esquecidas
neste outono de nuvens
cinzentas
nuvens brancas
entardecidas
relembro
esse outro
mês de Setembro
esse outro
mês de Setembro
quarta-feira, 26 de setembro de 2012
O CASO DOS ATESTADOS MÉDICOS
Um passar de
olhos pela imprensa escrita, à época dos acontecimentos em Guimarães, (a
propósito da recomendação do Provedor de Justiça), permitiu-nos encontrar, com cambiantes de acordo com a orientação
política de cada jornal, uma unanimidade de opiniões acerca das conclusões e
decisões do referido parecer.
Por exemplo, “O
Diabo” do dia 22 de Agosto de 2000 dizia
o seguinte:
“ A malta brava
de Guimarães não desarma. Sobra-lhe em teimosia o que em vergonha lhe falta. Os
papazinhos das tenras criancinhas atacadas de stress pré-exames, não contando
já convencer o ministro da Educação, que mais não seja, esmagado pelo peso da
opinião pública, resolveram apelar ao provedor de Justiça. Em boa hora o
fizeram para darem a Nascimento Rodrigues uma oportunidade de sair das brumas
da memória e vir a público afirmar que as criancinhas não têm razão e que os
exames devem ser repetidos. Quanto aos senhores doutores que passaram os
atestados em massa, os meninos sofredores e os papás preocupados, tudo indica
que a culpa volte a morrer solteira”
In
“O Diabo” terça feira 22 de Agosto de 2000
“ O Ministério
da Educação vai alterar o regulamento das provas globais do 10º e 11º anos,
nomeadamente no que respeita ao regime de faltas. Uma fonte do Ministério
assinalou que esta decisão já estava tomada, e não fica a dever-se a uma
proposta do provedor de Justiça nesse sentido(…)”
“Alguns encarregados de educação dos alunos de Guimarães envolvidos
no já célebre “caso dos atestados médicos” esperavam, talvez pela própria
natureza do cargo, encontrar no provedor de Justiça a compreensão e
benevolência que até agora julgavam ter faltado ao Governo e à opinião pública.
Puro engano, Nascimento Rodrigues recusou liminarmente os argumentos
apresentados pelos pais e considerou “totalmente improcedente” a reclamação.
Mas foi mais longe: em vez de se refugiar numa anémica apreciação técnica, elaborou
um autêntico libelo acusatório a um modelo educativo despido de valores e que
estimula, em vez de condenar, o oportunismo e a deslealdade. Discreto, na
esteira dos seus antecessores, Nascimento Rodrigues não tinha tido até agora
muitas oportunidades de intervir num processo de forte exposição mediática.
Fê-lo de forma exemplar porque o provedor de Justiça até teve a coragem de ser
politicamente incorrecto ao considerar a actual lei reguladora dos exames
potenciadora de “situações de
permissividade”.
In “
Expresso” 26 de Agosto de 2000
segunda-feira, 24 de setembro de 2012
SABEDORIA NA DECISÃO
Lembram-se desta
história? Vamos por partes:
1. “Foi
apresentada ao Provedor de Justiça uma reclamação subscrita por cerca de três
centenas de pais e encarregados de educação de alunos dos 10º e 11º anos de
duas escolas de Guimarães, a propósito da marcação, pelo Ministério da
Educação, de provas globais para um conjunto de alunos que haviam apresentado
atestados médicos e, assim, não tinham comparecido “justificadamente” à época
normal destas provas.”
2. “Na referida
reclamação, os pais invocavam a ilegalidade das intervenções quer do Director
Regional de Educação do Norte, quer da Secretaria de Estado da Educação,
alegando, em síntese, que a marcação das provas globais seria da competência
exclusiva dos órgãos directivos das escolas e que, no caso de falta justificada
às provas globais, a lei não permitiria mais do que uma marcação de provas. A
marcação de novas datas seria ainda ilegal por violar o princípio da igualdade,
já que o Ministério da Educação não teria actuado do mesmo modo nas outras
escolas do país.”
3. “Os
reclamantes pretendiam, consequentemente, que aos alunos em causa fosse atribuído
o resultado da avaliação da frequência no final do 3º período, uma vez que
seria ilegal e discriminativa a repetição das provas globais em relação aos que
faltaram às provas anteriores com justificação feita mediante atestado médico.”
O Provedor de
Justiça veio a concluir pela total
improcedência da reclamação, quer do ponto de vista da legalidade, quer sob
o ponto de vista da Justiça.
1- “Os
estabelecimentos de ensino público não superior estariam sujeitos ao poder de
direcção e orientação dos órgãos regionais e centrais do Ministério da
Educação, independentemente da natureza das competências atribuídas aos órgãos de
direcção das escolas, pelo que não seriam ilegais instruções ou orientações dadas
pelo Director Regional de Educação do Norte e pela Secretaria de Estado da
Educação no sentido da marcação de novas provas, face a circunstâncias
justificadas”.
2. “O Provedor
considerou que o regime legal em vigor, correctamente interpretado, não só admitiria,
mas antes implicaria, a repetição da realização de provas globais nos casos em
que se registassem circunstâncias excepcionais, como manifestamente se teria observado
no caso das duas referidas escolas de Guimarães ( faltas inusitadamente reiteradas
às provas globais)”
3. “O Provedor
considerou ainda não se ter verificado qualquer violação do princípio da
igualdade, não só porque o nível de absentismo em outros estabelecimentos de
ensino não teria sido idêntico ao registado naquelas escolas de Guimarães, mas
também porque, mesmo que se tivessem verificado ocorrências materialmente
idênticas noutras escolas, tal não implicaria a ilegalidade da actuação que foi
adoptada pelo Ministério da Educação no caso em apreço, mas, sim, uma eventual
ilegalidade de omissão do mesmo Ministério quanto a esses estabelecimentos de
ensino.”
4. “Entendeu
também o Provedor que a pretensão de atribuição aos alunos faltosos do
resultado da avaliação da frequência do 3º período traduziria uma inversão da
lógica de obrigatoriedade que preside à realização de provas globais. Tal
pretensão levaria a que mercê da aplicação de um procedimento meramente
administrativo – substitutivo de um tipo de avaliação legalmente exigido - ,
fosse reconhecido um benefício aos alunos faltosos, que os colocaria numa
situação injustamente mais favorável do que aquela que se deparou aos restantes
alunos das duas escolas de Guimarães e, afinal, à generalidade dos alunos de
todas as escolas do país que, em obediência à lei e no cumprimento dos seus
deveres escolares e cívicos, se submeteram à realização de provas globais.”
5. “O Provedor
de Justiça admitiu, porém, vir a justificar-se uma alteração legislativa quanto
ao tratamento da situação de não comparência dos alunos às provas globais”.
6. “Neste
enquadramento, dirigiu o Provedor de Justiça sugestão ao Ministro da Educação
com vista a ponderar-se alteração legislativa pertinente. Mas sem prejuízo desta
diligência, o Provedor de Justiça não deixou de apelar ao sentido cívico dos
pais e encarregados de educação e alunos das duas escolas em causa, por forma a
alcançar-se a normalização desejável do processo de avaliação naqueles
estabelecimentos de ensino.”
7. “Por fim, em
relação às implicações decorrentes do volume anómalo dos atestados médicos
passados, o Provedor de justiça dirigiu as necessárias participações oficiais à
Procuradoria Geral da República e à Ordem dos Médicos, entidades competentes
para efeitos de averiguação de eventuais responsabilidades criminais e
disciplinares.”
Parecer
do Provedor de Justiça de 21 de Agosto de 2000
domingo, 23 de setembro de 2012
O PRIMEIRO MANDATO
“Ao aceitar o
cargo de Provedor de Justiça, considerou-o “muitíssimo interessante” e “muito
absorvente”. Chegavam então, anualmente, à Provedoria de Justiça entre 5mil a 6
mil queixas. Ao tomar posse, no seu primeiro mandato, prometeu “ tudo fazer para não desmerecer dos valores
que lhe deram origem” e propôs-se exercer “uma magistratura de raiz moral, integra e surda a constrições”. Quando
chegou à Provedoria, o meu pai assumiu a atitude de não fazer mudanças. Não
conhecia ainda a casa e não quis ter a ousadia de, antes disso acontecer,
traçar um programa. Não promoveu, por isso, alterações na orgânica da
instituição, tendo preferido conquistar a confiança dos seus colaboradores que
não conhecia. “Assumi a posição de parar
para olhar cá para dentro”.
Mas quanto ao
modo de funcionamento procurou levar para a Procuradoria de Justiça a cultura
que aprendera nos conflitos de trabalho e na concertação. Pouco tempo depois de
tomar posse, questionado sobre se havia alterado o modo de funcionamento da
Provedoria de Justiça, responde: “Sim. Eu
tenho outro tipo de experiência, mais virada para a mediação, para o contacto
directo. Foi isso que aprendi nos conflitos de trabalho e na concertação
social. Daí a minha pressão para a celeridade e a mediação”.
Com efeito, ao
longo do seu primeiro mandato procurou dinamizar a instituição, preocupado para
que não se transformasse num organismo burocrático ou num órgão semelhante aos
tribunais, com longas pendências. Entendia que o Provedor de Justiça não deveria
deixar-se confundir com a imagem da burocracia estadual ou com a conhecida
lentidão da Justiça e, por isso, não lhe era lícito esquecer que a sua primeira
obrigação seria a de resolver, em tempo útil, as queixas que os cidadãos lhe
dirigiam.
As queixas eram,
de facto, a sua prioridade: “ O Provedor
pode ser protagonista mediático pode pegar em três ou quatro casos e dizer:
- não quero saber do que cá está dentro,
tenho colaboradores em quem confio- ou pode tomar a atitude que adoptei. Qual a
primeira obrigação do provedor? Responder às queixas dos cidadãos. Foi para
isso que fui eleito; é para isso que cá estou”
Sofia
Nascimento Rodrigues
sábado, 22 de setembro de 2012
UMA PROVEDORIA ABERTA
O Provedor de Justiça, Nascimento Rodrigues
reuniu-se sexta feira com António Guterres para lhe apresentar os seus
projectos
“Eu quero a Provedoria a funcionar para os
cidadãos e a primeira medida que quereria tomar é que estivesse aberta ao público, aos cidadãos, desde as nove da manhã até
às sete oito da noite. Hoje em dia isso não é possível. Nós queremos uma
alteração da lei orgânica no sentido de permitir que a Provedoria funcione com
isenção de horário de trabalho”,
disse Nascimento Rodrigues à TSF. “ O
segundo ponto que eu dei conta nas minhas preocupações vai no sentido de
estender a Provedoria verdadeiramente a todo o País e não apenas a Lisboa.
Estou a pensar em particular nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira por
razões óbvias de insularidade”
IN “
Diário de Notícias” 23 de Julho 2000
“Em declarações prestadas à comunicação
social Nascimento Rodrigues defendeu, nomeadamente, a alteração da Lei Orgânica
da Provedoria de Justiça. O regime que Nascimento Rodrigues propõe para a
Provedoria de Justiça – segundo precisou na oportunidade perante os jornalistas
– é semelhante àquele que já vigora neste momento para os funcionários em
serviço na Procuradoria Geral da República e nos tribunais de Contas e
Constitucional”
22
de Julho 2000
sexta-feira, 21 de setembro de 2012
TOMADA DE POSSE

In
“Diário de Notícias” 10 de Junho 2000
No seu discurso, na sala de visitas do
presidente da A.R. o Henrique elogiou “o
brilho e elevação” com que o cargo foi
exercido pelos sucessivos titulares, graças a quem a Provedoria de Justiça
passou a estar “no centro das
atenções do país”.
“ A configuração constitucional e legal do
órgão Provedor de Justiça, a que acresce a específica e por isso difícil
sucessão a que fui chamado, justificam que a mim próprio me tenha interrogado –
e suponho sempre me interrogarei – sobre se o nosso Povo, através dos seus
deputados, irá doravante poder contar com o Provedor a que tem direito que
merece e que não lhe pode faltar nas horas intranquilas da sua vida quotidiana,
em que se confronta com a autoridade abusiva ou iníqua dos poderes públicos, se
debate com a decisão legalmente incorrecta ou falha de memória da Administração, e até se vê envolvido pela hegemonia de entidades que, embora privadas, arranham e afectam os seus
direitos fundamentais.
O
maior esteio à coragem institucional que envolve, por natureza, o exercício
desta autoridade sem poderes decisórios – frágil porque não manda, nada impõe,
sequer constrange; forte justamente por isso, porque recomenda com razão,
aconselha com justiça, sugere com prudência e persuade para criar paz nas
relações sociais,- esse esteio advém-me apenas do voto do Parlamento”.
Não quis fazer promessas nem anunciar
projectos. Apenas pediu que lhe seja concedido tempo “porque a Justiça deve começar por ter lugar na própria casa, a natureza
unipessoal do órgão, e a heterogeneidade caleidoscópica dos assuntos levados ao
Provedor, impõem-lhe uma matriz de perfil em que se entrecruzam a serenidade da
rectidão, a irrequietude do combate, a solicitude do coração, a afabilidade no
trato, a seriação do Direito e a ponderação da Justiça”.
A história ainda não se fez, é certo, mas o
Henrique exerceu o seu mandato “ com
a alma no lugar de cada queixa que tratou, de cada procedimento que adoptou, de cada posição que assumiu.
quinta-feira, 20 de setembro de 2012
ALTOS…

In
“Diário de Notícias” 10 de Junho 2000
Foi deste modo,
pleno de significado no traçado da sua vida que viu a chegada ao cargo de Provedor
de Justiça.
Ao discursar no
dia da sua tomada de posse disse:”
Permitam-me o atrevimento de iniciar as minhas palavras recordando o que se
escrevia nos contos de história de outros tempos, onde sempre se começava
assim: “Há muitos, muitos anos…”. Ouso esta liberdade, porque há muitos anos
atrás, era eu um jovem jurista laboral, escutei pela rádio, em período
conturbado da nossa então nascente vida política democrática, um discurso que
me tocou fundo e nunca se apagou da minha memória. Marcou-me fundo pelo tema
que abordava e restou guardado pelo exemplo que espelhava. O discurso era de
Francisco Salgado Zenha; o tema o da luta pela liberdade sindical no nosso
País; a voz a de um dos mais insignes democratas da nossa história
contemporânea.
Tantos anos passados sobre esse episódio,
não conseguiria imaginar que as teias da vida haveriam de conduzir-me à
Provedoria de Justiça, de que Salgado Zenha foi, precisamente, um dos
inspiradores e como Ministro da Justiça o principal impulsionador da consagração
legislativa da instituição em fase pré – constitucional. Se recordo este
encadeamento de ocorrências do meu percurso, faço-o a título de simples, mas
sincero, preito de homenagem a uma das mais marcantes figuras do Estado de
Direito e da sociedade democrática; e faço-o também para dizer que assumo como
firme propósito da minha actuação como Provedor de Justiça não esmorecer na
defesa dos valores que lhe deram corpo”(…)
Lisboa
Palácio de São Bento 9 de Junho de 2000
quarta-feira, 19 de setembro de 2012
SEM NOTÁVEIS
À época, a
imprensa escrita menorizou a eleição, do Henrique, para o cargo de Provedor de
Justiça. “A irrelevância de Nascimento Rodrigues”, Provedor toma posse sem
notáveis” “Nasceu um caso”, são alguns dos vários títulos da imprensa escrita. De
facto, à excepção do bastonário da Ordem dos Advogados, faltaram, na cerimónia
de posse, as figuras cimeiras da Justiça portuguesa. Estaria em causa, provavelmente,
o facto, considerado por alguns, como muito relevante, de ser uma segunda escolha. ( O Henrique foi a
votos na sequência de um processo ao longo do qual foram “queimados” vários
nomes.). “ Todos nós somos segundas escolhas. O mundo já começou há muito tempo”,
afirmou à imprensa Menéres Pimentel.
Fui procurar,
nos seus papéis, outros testemunhos, anónimos ou de amigos, para entender a
importância, para o País, da inesperada escolha do Henrique para Provedor da
Justiça. Para mim, tinha sido a escolha certa, do homem certo, no momento
certo. Confirmei. Esta opinião não era só minha.

Um abraço de
quem muito o admira e não esquece o seu contributo ímpar no estabelecimento da
Democracia Político-Sindical no nosso País”.
“ Meu caro amigo
Dr. Nascimento Rodrigues
Apesar de já ter
deixado uma curta e singela homenagem no seu telefone, não quero deixar de
expressar as minhas sinceras felicitações para o cargo de Provedor de Justiça,
para que acabou de ser eleito pela A.R. Ao contrário do que já li e ouvi, não
se trata de uma 2ª mas sim de uma primeiríssima escolha e que sintetizo na
simples frase: “ é o homem certo no lugar certo”.
A sua cultura,
capacidade e inteligência política vão de novo ser postas à prova, mas os
cidadãos vão ter um óptimo Provedor de Justiça, funções para as quais, apesar
dos “espinhos”, desde já lhe desejo as maiores felicidades”.
“ (…) Fico impedido de, conforme sinceramente desejaria, estar presente
na sua cerimónia
de posse como Provedor de Justiça. Tal facto – que lamento – não reduz, porém, em nada a
satisfação com que o vejo ocupar tão alto e honroso cargo – em relação ao qual o seu
prestígio e grandes qualidades tornaram fácil um consenso que,
à volta de outros nomes, se foi revelando inviável –
nem a dimensão dos meus votos de que seja plenamente feliz no seu desempenho”.
de posse como Provedor de Justiça. Tal facto – que lamento – não reduz, porém, em nada a
satisfação com que o vejo ocupar tão alto e honroso cargo – em relação ao qual o seu
prestígio e grandes qualidades tornaram fácil um consenso que,
à volta de outros nomes, se foi revelando inviável –
nem a dimensão dos meus votos de que seja plenamente feliz no seu desempenho”.
“ Distinguido
que fui sempre pela sua consideração e amizade, não poderia deixar de lhe dar
um sinal do meu regozijo por uma justiça tardia que de algum modo se faz,
agora. com a sua designação para Provedor de Justiça.
À minha
convicção sobre a elevada competência e empenho do meu amigo para tão alto e
importante cargo do Estado, juntei a alegria de ler nos jornais a sua
disponibilidade para o aceitar. Tenho ainda a certeza que o Dr. Nascimento
Rodrigues, sem prejuízo das demais vertentes inerentes à Provedoria, dará ao
TRABALHO uma outra amplitude a partir dessa instância”.
“ Meu caro
Henrique, “Camarada”!
Feliz por ver
como Provedor de Justiça um Homem de excepção – e jóvem! – fico, como amigo
preocupado por sabê-lo. daqui para diante metido numa enorme carga de trabalhos
( para variar não é?). Se isso lhe puder alguma vez ser útil, pense que – além de
todos os outros, que, felizmente, são muitos – este amigo torce por si, reza
por si e está à sua inteira disposição. Com o desejo do maior sucesso em mais
esta difícil etapa da sua vida, envia-lhe um abraço amigo”.
Poderia escrever
muito mais, mas o importante está dito. Os "notáveis", nunca tiveram significado nem nas escolhas, nem no percurso de vida, que, desde muito jovem, o Henrique desenhou para si próprio.
terça-feira, 18 de setembro de 2012
OMBUDSMAN
Muito trabalho,
pouco poder: é com estas palavras, que, o Correio da Manhã de 9 de Junho de
2000 se refere à Provedoria de Justiça, e continua:

Portugal preferiu chamar-lhe Provedor de
Justiça e abriu-lhe as portas na Constituição em 1976.
O provedor é
independente no seu exercício e eleva a sua voz na incessante luta pela
Justiça. O titular deste cargo é eleito pela Assembleia da República, por maioria
de dois terços e tem o poder de recomendar comportamentos aos poderes públicos
com vista à reparação de ilegalidades e injustiças.
Possui ainda o controlo de
toda a actividade administrativa sem excepções e tem legitimidade abstracta
junto do contencioso constitucional.
Neste contexto, pode efectuar, com ou sem
aviso, visitas de inspecção a todo e qualquer sector da actividade da
administração central, regional e local, designadamente serviços públicos e
estabelecimentos prisionais, civis e militares, ou a quaisquer entidades
sujeitas ao seu controlo.
O seu campo de acção é vasto, mas o resultado do seu
trabalho não é vinculativo. Não lhe compete anular, modificar ou revogar actos,
intimar à prática de comportamentos.
O provedor só pode sugerir e emitir
recomendações, utilizando (…) “ a força da razão em vez da razão da força”.
Anteriores
Titulares:
Apenas seis
personalidades desempenharam até hoje o cargo de Provedor de Justiça, realidade
que a Constituição acolheu em 1976. Os anteriores “defensores do povo” foram:
Costa Braz (1975/1976)
José Magalhães Godinho (1976/1981)
Pamplona Corte-Real (1981/1985)
Ângelo de Almeida Ribeiro
(1985/1990)
Mário Raposo (1990/1991)
Menéres Pimentel (1992/2000)
Nascimento Rodrigues (2000…)
IN “
Correio da Manhã” 9 de Junho 2000
O CARNAVAL DO BONIFRATE
Foi em Março de 1957, tinha o
Henrique 16 anos, que o jornal “A Huila” (Lubango Angola) publicou este
espantoso texto, meio conto, meio poema, que revela a alma de um muito jovem
adolescente, solidário, preocupado com os problemas sociais e a dor dos seus
concidadãos. Como o conheci desde sempre, posso garantir: foi com o mesmo
sentimento, o mesmo modo de observar o mundo, que embarcou na última aventura da sua vida: ser o Ombudsman, o defensor do povo, o
ouvidor, o Provedor de Justiça
No Circo há serpentinas e barracas,
gargalhadas e alegria…
E soam tambores em atoarda de aleluia,
chiam vozes de escarninho e mal dizer.
Bate o jaze
desenfreado.
Pernas ao leu, atiradas ao Deus dará.
Vestes garridas sem pregas nem decência,
balões, papeis e foguetes luminosos
numa amalgama confusa de rostos sem expressão.
E de passo a passo há
gritos e risadas,
encontrões e blasfémias repentinas,
no deambular noctívago de quem passa e mira,
alheio à luz feérica que deslumbra.
São sonhos e são caminhos,
e há visões de zombaria, engalanadas de luxo e fausto.
E são veredas e
miragens, tentações gritantes, sem pudor.
Túneis escondidos, onde
mora a miséria envergonhada
de quem quer comer e não tem pão para se enganar…
E ao ar livre,
a contrastar com a negrura de uma vida,
o palhaço tem a face besuntada de cremes e tintas de aguarela.
Os olhos acanhadiços do folgazão
escondem-se por entre o emplastro desigual do colorido.
Desarticulado boneco de palha que a faúlha não consegue
incendiar,
cabriola parvamente num dever que é seu mister;
nariz vermelho,
casaco esfarrapado e calças pardas,
boca escancarada em gorjeio de idiota,
olha a multidão que por ele passa,
indiferente ao seu fadário.
Mas no olhar triste e profundo do palhaço,
anónimo histrião que o mundo vê mas não conhece,
há a doçura sem par de uma alma casta que não sabe o que é
pecado!
Tiritando na frieza da noite, que é o seu dia,
arranca a patetice da chacota,
bandeira da heresia popular,
que já não sabe se ri do palhaço,
se da pantominice enganadora
que se esconde no rictus
amargo da boca pintada.
E buzinam toques em
estampidos de arrepiar.
Cruzam-se morteiros e rebentam bombas e petardos,
num louco carrossel de luxúria onde cavalga a cigarrilha do
prazer.
Mas o saltimbanco canta
e dança nesse jeito de fantoche
que entrechoca os dentes em castanhola alvar,
enquanto no ser do bonifrate há pavor e há tortura porque,
lá dentro, na cama de palha, o filho,
fruto de uma união que não resultou,
estrebucha entre babas de agonia.
Mas o publico,
indiferente espectador, que a desgraça alheia goza,
bate palmas de alegria
e, rindo do momo
enfarruscado,
só quer esquecer a própria dor para a embriagar nas piruetas
do arlequim,
que lhe ri na cara a estupidez lastimosa da sua vida.
E ninguém entende o choro sentido do palhaço,
que a rir, chora, e a chorar ri,
e salta e pula e cai para divertir os outros
em chiste galhofeiro, que crime é troçar da morte e de Deus,
do Mundo e da criança que agoniza.
E o jaze arranca das entranhas o carnaval maluco e desumano,
que me faz lembrar que todo o mundo é palhaço na dolência do
destino,
e que também eu fui palhaço e bobo truão e burlão no
carnaval da minha vida.!
E as serpentinas e os «confetis» já não são papeis bizarros
de brincadeiras,
mas correntes de ferro que se impõem,
espezinham, dominam, exigem
e não o deixam fugir para salvar o filho moribundo;
e os nervos doem
causam-lhe agonias e suores,
enquanto o corpo arrasta a nódoa que o chumba no anfiteatro
de terra,
onde caiem as primeiras moedas de um público
que sai divertido e já não olha para o palhaço que esqueceu.
Amanhece!
No circo jaz da noite de farra o esterco colorido do
carnaval….
E sobre o leito mortuário do miúdo,
há alguém que ainda ri,
porque já não é palhaço mas louco que não tem razão.
E a gargalhar,
ele pousa sobre a campa do seu filho,
em vez de flores brancas de saudade – as moedas que o
público lhe atirou!!
Publicado no Jornal «A Huila» em 9 Março de 1957
segunda-feira, 17 de setembro de 2012
NASCIMENTO DE PROVEDOR
Foi, com este
título, que, o semanário “Expresso” noticiou, em 13 de Maio de 2000, a
candidatura, do Henrique, ao cargo de Provedor de Justiça.
“ (…) PS e PSD
decidiram-se por um candidato imprevisível: Henrique Nascimento Rodrigues, de
59 anos, uma das figuras de destaque no PSD nos anos 80, inspirador da criação
da UGT e primeiro presidente do Conselho Económico e Social em 1992. O seu nome
será agora submetido a eleição pelos deputados na próxima quinta feira – mas PS,
PSD e PP manifestaram já o seu apoio e apenas o PCP e o Bloco de Esquerda
anunciaram que votarão contra.
A sugestão terá
partido da direcção do grupo parlamentar do PSD. E o bom desempenho na
presidência do Conselho Económico e Social – onde era visto como “ o homem dos consensos” – terá convencido o líder parlamentar do PS, a submeter o nome
de Nascimento Rodrigues à apreciação dos deputados socialistas. Jurista de
profissão, está afastado da vida política activa há mais de 10 anos. (…)
Por seu turno,
Nascimento Rodrigues afirmou ao “Expresso” que aceitou o convite do PS e do PSD,
uma vez confirmado que era consensual em
ambos os grupos parlamentares”. “Estou
sereno. O problema é dos senhores deputados e eu respeitarei o resultado da
eleição”. E explica que decidiu aceitar por considerar que reúne “as qualidades de integridade e isenção”
necessários, além de o seu percurso sempre ligado à defesa dos direitos sociais
– uma das tarefas da Provedoria de Justiça”.
In “Expresso”
13 de Maio de 2000
domingo, 16 de setembro de 2012
EU OUVIREI
“O meu pai foi eleito Provedor de Justiça pela Assembleia da República no dia 18 de Maio de 2000. A sua eleição resultou de 162 votos a favor e 46 contra. Tinha então 59 anos. Tornou-se assim o 7º Provedor de Justiça na história da democracia portuguesa. Tomou posse em 9 de Junho desse ano e, por inerência, a 10 de Julho de 2000, pelas 10.45 toma posse como Membro do Conselho de Estado, no Palácio de Belém. Ser Provedor de Justiça foi, na sua vida o “coroar” de um percurso, longo e bem sedimentado, de conhecimento e experiência na área laboral mas principalmente na defesa dos direitos dos cidadãos, em geral, e dos trabalhadores, em particular. Mas fundamentalmente foi o coroar de alguém que percorrera a vida aprendendo a ouvir, a dialogar e a conciliar interesses. Ele, que era, por natureza e por percurso de vida, um ouvidor, era agora chamado a desempenhar um cargo para cujo exercício uma das características exigidas eram precisamente a de um bom ouvinte. Simultaneamente, veio encontrar, no último cargo público que exerceu, a independência e o contacto com os problemas “das pessoas” que, no início da sua vida adulta, o haviam feito querer prosseguir a magistratura.
Via e entendia o
cargo de Provedor de Justiça precisamente como o lugar de um ouvinte, daquele
que escuta por dever. No discurso de posse do seu segundo mandato como Provedor
de Justiça desejou que, em cada dia de trabalho na Provedoria de Justiça fossem
lembradas as belíssimas palavras de Manuel Alegre, na alocução oficial que
fizera aos congressistas da Federação Ibero-Americana de Ombudsman quando estes
se reuniram em Lisboa, em 2002 na Sala do Senado e, quando, em representação do
Presidente do nosso Parlamento, disse “Quando
mais ninguém ouve alguém, há sempre alguém que ouve um cidadão”. E a
propósito dessas palavras disse Nascimento Rodrigues: “ A Provedoria de Justiça ouvirá. Eu ouvirei”
Sofia
Nascimento Rodrigues
MALMEQUER
Ali,
no imenso lodaçal do pântano,
boiavam algumas folhas já podres.
Ao redor
tudo era deserto e imensidão
isolamento e desespero
como se a Natureza
houvesse negado um pouco de luz e vida
às águas pestilentas e traiçoeiras.
O capim crescera incólume,
as árvores,
cobertas de uma coroa carcomida pelos vermes,
pendiam inertes,
e a água negra,
negra como a noite infernal,
exalava um cheiro fétido e pavoroso.
O ar pesado,
carregado de nuvens cinzentas,
ensombrava o horizonte,
onde volteava o corpo preto e agoirento de um corvo.
Era a floresta desconhecida,
onde reina o mistério,
a lei do mais forte,
o silêncio impressionante e opressivo,
onde a morte espreita a cada passo,
no pântano imenso e zombeteiro.
De longe o chacal rompe a noite com um uivo agoirento e
assassino,
que se repercute pela imensidão insondável da selva
num gemido triste e arrepiante.
De resto…mais nada.
Só o luar se reflecte nas águas escurecidas,
nas longas noites de Outono,
tirando cintilações estranhas e grotescas do lodo espesso,
onde vive o corpo esguio e flamejante de um peixe ignorado.
Ali era o pântano,
fiel servidor da morte,
armadilha caprichosa,
donde ninguém
jamais saiu.
E foi ali,
naquele amontoado confuso de podridão e imundice,
que nasceu o pobre malmequer,
simples e modesto,
solitário sonhador das noites tropicais.
Foi, naquele pântano de morte que ele abriu as suas pétalas,
sorridente e enamorado,
ao sol quente de uma manhã amena.
Era um singelo malmequer de outono,
desse outono
tristonho e sério
que traz à alma uma doce aguarela de nostalgia e lassidão.
Foi num Outono assim,
que eu conheci aquele
pobre malmequer.
Foi num Outono…..
Dos ramos desnudados já,
caiam lentamente as folhas amarelecidas tombando no chão,
inertes,
sem vida,
desaparecendo ao longe na poeira do infinito,
E o malmequer era o meu companheiro sério
das horas de tristeza e amargura,
quando a saudade canta baixinho ao coração,
e penetra em silêncio,
de mansinho,
pelas frestas de uma janela partida.
E ele sorria sempre,
escutando a arenga palratória de uns discursos inflamados,
que eu ensaiava
contra a brancura da parede.
E as tardes passavam-se,
com a água a murmurar baladas dolentes,
escorrendo lá pelas rochas encobertas,
com poentes tintos de sangue.
E os dias iam passando,
rasgavam-se tristemente as folhas do calendário,
e o outono dizia adeus ao malmequer.
Vieram as chuvas,
as torrentes assolapadas,
o frio cortante em vergastadas de chicote impiedoso.
E o pobre
malmequer ia-se definhando aos
poucos.
Murchavam as suas pétalas de doçura,
o seu vulto apagado derreava-se em convulsões quebradas.
Mas era lindo o malmequer!
No seu seio,
albergava o sentimento da pureza e castidade.
E foi por isso que eu gostei dele:
porque era modesto e sem vaidade,
com um coração de oiro,
repleto de honestidade e carácter.
Ouvia-se ao longe,
o mugir das ovelhas,
o velho pastor centenário tocando a sua flauta,
e, na torre da capelinha do Monte
batiam compassadamente as seis Avé- Marias.
Curvada a cabeça para o peito,
cheio de fé num alguém mais poderoso,
o solitário malmequer fechava as pétalas e murmurava
docemente: até amanhã…..
Morreu o outono!
Na última tarde fui ao pântano.
Encontrei o malmequer amigo já morto.
Não pudera dizer-me o derradeiro adeus de amizade,
o meu triste companheiro.
Fitei-o compungido a
alma esfarrapada em tiras de dor,
que me queimavam o peito.
E curvei-me em respeito,
para recolher com gratidão
a derradeira homenagem
que ele me pudera deixar:
as suas pétalas brancas, já sem seiva!
Lá longe o sol escondia-se por entre as serranias da aldeia.
E eu,
com uma lágrima rebelde de saudade a escorrer pelos olhos
ia abandonando as
suas folhas pelo chão pedregoso,
enquanto murmurava numa oração amargurada de tristeza:
MALMEQUER…BEMEQUER…MALMEQUER…BEMEQUER…
Este, quase poema, foi o 1º conto
escrito pelo Henrique. Tinha 15 anos. O seu espírito solidário, a necessidade
absoluta de estar presente, de ouvir os outros quando há sofrimento, é bem
patente na inocência total das palavras aqui expressas. Para nós família, o seu
exemplo de vida, é a herança que nos permite viver com esperança.
Recordo um pensamento do Padre
Vasco Pinto de Magalhães, publicado no seu livro «Onde há crise há esperança»,
e que passo a citar: “Porque somos,
tantas vezes, pássaros feridos e perdidos, prontos a ferir e a perder, é
preciso um denunciar que seja prelúdio de um anuncio. Pois o mesmo dedo que se
põe na ferida deve apontar o caminho da cura”
sábado, 15 de setembro de 2012
A CONCERTAÇÃO SOCIAL EM PORTUGAL
21 de Junho de 1994, com Falcão e Cunha (à data Ministro do Trabalho) à entrada no CES
(….) Aí está, pois, uma primeira característica da experiência portuguesa: a
concertação social é, sempre, entendida como uma negociação tripartida, visando
a obtenção de um acordo de concertação ou um pacto social.
Uma segunda característica que pode referenciar-se é a seguinte: as
práticas concertativas têm tido sempre lugar em instâncias próprias de
concertação social. As negociações triangulares e os acordos respectivos nunca
ocorreram fora dos palcos institucionais: estes foram, primeiro, o Conselho
Permanente de Concertação Social, criado em 1984 como órgão destinado a
promover o diálogo e a concertação social tripartida; depois, a partir de 1992,
a Comissão Permanente de Concertação Social instituída no seio do Conselho
Económico e SocialTerceira característica: trata-se, em princípio, de uma concertação
permanente. Isto é, desde logo, indiciado pelas designações legalmente
atribuídas ao primeiro Conselho – a que foi dado o nome de Conselho Permanente de Concertação Social – e à
actual Comissão do CES – que a legislação igualmente “batizou” com o nome de
Comissão Permanente de Concertação
Social.
Parece indubitável que o legislador português pretendeu conferir ao
processo concertativo traços de continuidade, de sequencialidade, de
permanência. Não o visionou, portanto, sob uma óptica de conjuntura e de mera
pontualidade.
Na prática, isto não ocorreu sempre assim. Houve momentos prolongados
de “vazio” nos contactos tripartidos. (…)
Significa isto que a negociação concertativa, mesmo sendo anualmente
intentada, nem sempre desemboca em compromissos formais.(…) O ciclo da
concertação social tem altos e baixos, como é natural.
Mas os acordos não abrangem, sempre, o universo de todos os parceiros
sociais com assento institucional no órgão da concertação social. Eis outra
marca da experiência portuguesa.
Com efeito, uma das centrais sindicais, a CGTP, nunca subscreveu os
acordos de concertação com significado mais marcadamente político e de
envolvimento sócio económico.
Em consequência, pode afirmar-se que a concertação social portuguesa
não tem a característica de universalidade.
(…).
Trata-se, portanto, de uma concertação tripartida sempre, mas que nem
sempre envolve todos os componentes de cada parte social, e que quase nunca envolve uma das centrais
sindicais, a CGTP.
IN “Convergência e
Concertação Social”, Abril de 1996
sexta-feira, 14 de setembro de 2012
quinta-feira, 13 de setembro de 2012
CONTRA O DESEMPREGO
A 26 de Maio de 1997, num seminário subordinado ao tema “ Flexibilidade
e Relações Laborais” o Henrique afirma em determinada altura:
“(...) A reforma do mercado de trabalho tem o seu lugar no conjunto de
reformas que as mudanças económicas, tecnológicas e societais continuam a
suscitar. Ela é importante, mas deve ser relativizada, mais do que isso: tem
que ser articulada com outras reformas, numa estratégia global e coerente e com
um sentido, largamente compartilhado de destino comum. (…) Não é possível tirar
partido da flexibilidade do mercado de trabalho se os empresários e os gestores
não forem capazes de assumir o gosto do risco, o risco da aventura estudada e
reflectida, o sentido da sua responsabilidade cívica e social. E esta
manifesta-se perante a comunidade a que pertencem, diante dos trabalhadores que
contrataram. Este é um verdadeiro estatuto de cidadania, não é apenas uma forma
de ganhar a vida, muito menos de lograr lucros fáceis, especulativos e à custa
dos outros. Não tenho qualquer problema em o dizer, porque de igual modo direi
que o estatuto de trabalhador deve ser também um estatuto de cidadania, com
direitos e deveres para com os empresários e a comunidade em geral.
Numa síntese que procura arrimo de autoridade, permitam-me citar as palavras de João Paulo II na 68ª sessão da Conferência
Internacional do Trabalho. Disse ele:” nego-me
a crer que a humanidade contemporânea, capaz de realizar tão prodigiosas
descobertas científicas e técnicas, seja incapaz de encontrar, no esforço
criador inspirado pela natureza do trabalho e pela solidariedade que une os
homens, soluções justas e eficazes para o problema essencialmente humano que é
o desemprego”.
Ainda não encontramos essas soluções. E nesta encruzilhada estamos,
pois receio que teremos de permanecer nela por mais tempo do que desejaríamos.
Inspiro-me nesse grande mestre do direito de trabalho em Espanha – Manuel Alonso
Olea – para, com ele, terminar deste
modo: “ façamos desta encruzilhada uma
espera tolerável, o mais economicamente rentável e o menos socialmente injusta”.
Lisboa, 26 de Maio de
1997