quinta-feira, 6 de setembro de 2012

INÍCIO DO PROCESSO DE CONCERTAÇÃO SOCIAL


A 18 de Novembro  de 1995 o semanário "Expresso" publicava nas suas páginas:

" O Governo comprometeu-se a apresentar, na segunda quinzena de Janeiro, um documento orientador para as negociações de um acordo social de legislatura (...)
As negociações irão decorrer  num Conselho de Concertação Social, presidido por José da Silva Lopes, que substitui Nascimento Rodrigues no cargo" 

"Na arquitectura legal do nosso Conselho Económico e Social, a sua Comissão Permanente de Concertação Social assume uma fisionomia muito própria, nomeadamente quanto à sua composição tripartida e à ampla e justificada autonomia funcional e deliberativa de que goza.
No contexto específico em que se insere e funciona, pois, esta Comissão, a postura conceptual e o comportamento prático do Presidente do Conselho Económico e Social devem ser interpretados e traduzidos menos à sombra dos escassos preceitos legais aplicáveis — aliás, naturalmente fluídos face às características peculiares da concertação social —, e mais à luz de valores e objectivos de raíz institucional, com relevância para os do respeito pela legitimidade democrática do Governo e pela autonomia colectiva dos parceiros sociais, bem como pelo da preservação da natureza apartidária da instituição, enquanto tal.
Tenho procurado, por isso, ir estabelecendo — um pouco ao jeito de «fazer caminho, caminhando» — algumas pautas claras de posicionamento para o meu próprio papel no seio desta Comissão.
Não sou representante do Governo e não sou também mandatário de qualquer parceiro social — logo, não me compete ser agente da negociação concertativa. Se me assiste o direito de estar presente e emitir opinião, entendi sempre que só o deveria exercer quando e apenas se manifestasse desejo nesse sentido. É, por isso, muito sensibilizado que lhe agradeço, Senhor Primeiro Ministro, o convite para que eu estivesse presente e usasse da palavra nesta reunião.
Esta convicção de que não me é lícito interferir ou ingerir-me nas negociações sociais tirpartidas traduz, não apenas um dever assumido de independência, isenção e rigor ético — imperativo ao meu cargo também nos outros órgãos do Conselhocomo ainda, e sobretudo, uma interpretação própria ácerca do papel que mais utilmente me pareceu ajustado a quem, nesta Comissão especial, não detém o estatuto  de parte nuclear, não negoceia e não pode decidir, mas não deve ser indiferente, não pode ser insensível e não lhe é legítimo escusar-se a uma cooperação solicitada.
Disse um dia, à falta de melhor qualificação, que o Presidente do CES seria, nesta Comissão, como que um «homem dos bons ofícios». Por detrás da simbologia da expressão, desejei que nela se evidenciasse o essencial dos valores que institucionalmente assumo e procuro levar à prática.
Sempre estimei que o diálogo e a concertação social são expressões das mais significantes de maturidade democrática. Por isso, não são processos fáceis e, por vezes, são até encarados como vias de enviezamento da democracia representativa.
Não se pode ignorar, é certo, que alguns riscos se correm se a democracia participativa não complementar harmoniosamente a democracia assente no sufrágio universal. Ela nunca poderá pôr em causa os que detêm a legitimidade do voto popular e o direito e o dever de governar.
Mas este direito não fica inferiorizado, bem pelo contrário, quando os governos se sentam à mesa com os parceiros sociais e com eles procuram aprofundar as linhas de fundo do nosso devir colectivo.
Os parceiros sociais são, assim, chamados a uma ampla acessibilidade na concepção e execução das políticas públicas, o que só reforça a sua representação e alarga a sua influência junto dos associados e da opinião pública. Em contrapartida, não lhes é lícito enjeitar, então, uma co-responsabilização, indissociável dos direitos que lhes são reconhecidos.
Tenho proposto, por isso, o entendimento de que a concertação social, se na essência é uma livre negociação entre três partes, encerra também um traço nuclear de cooperação leal entre todos, tendo em vista a melhor defesa dos interesses essenciais do País, convergentemente consolidados.
Ela é um instrumento de enorme  valia no cenário complexo dos desafios do crescimento, da competitividade e do emprego, com que todos os países europeus estão confrontados hoje, no palco da internacionalização e da globalização crescente dos mercados.
Reconciliar, inovatoriamente, o trabalho e o emprego, a livre iniciativa e a solidariedade social, o crescimento económico e a justa distribuição da riqueza, a competitividade e a dignidade no trabalho, o Estado e a cidadania civil, enfim, a liberdade e a justiça — tudo isto também passa pela concertação social estratégica, a nível macro, sectorial ou da empresa.
Ela pode funcionar, portanto, como um impulso muito influente à racionalização económica, ao aumento do progresso colectivo e à justa partilha dos seus frutos, ao estímulo para uma cultura de participação activa e de responsabilidade individual e colectiva, como raízes sólidas de coesão económica e social.
Pela minha parte, e porque não sou parte neste processo, apenas posso expressar os mais sinceros votos para que esta iniciativa alcance êxito
Votos que dirijo a Vossa Excelência, Senhor Primeiro Ministro, a quem saúdo respeitosamente nesta sua primeira presença na Comissão Permanente de Concertação Social, a que por direito preside; que torno naturalmente extensivos aos membros do seu Governo nesta Comissão; e que reitero aos representantes de todos os parceiros sociais, com a mesma naturalidade e consideração com que os formulei em anteriores circunstâncias. Estarei para todos, como sempre, disponível, se e quando se entender que poderei ser útil.
Como Presidente do Conselho Económico e Social, desejaria, enfim, que todos quantos acompanham de fora a concertação social percepcionassem como importante rodeá-la sob um clima generalizado de serenidade, de confiança, de não especulação, e de estímulo às três partes envolvidas nas negociações. Talvez muito do que, amanhã, será o nosso futuro colectivo aqui tenha, hoje, um começo ou um impulso. Ao fim e ao cabo, todos poderíamos ser ganhadores se este processo de negociações decorrer com sucesso.
Seja-me permitido, para terminar, recordar a figura desse grande sindicalista, paladino e intérprete valioso da concertação social, que foi Agostinho Roseta. Possa o seu exemplo inspirar estas negociações."


Discurso do Presidente do CES. Comissão Permanente de Concertação Social

2 de Dezembro 1995 

* Discurso do Presidente do CES, CPCS, 2 Dezembro de 1995