quarta-feira, 18 de maio de 2011

CAMEIA (2)

Timidamente, o dia despontou na Cameia. Na profundidade dos horizontes, os primeiros raios de sol bailam para nós o mágico “ballet” da vida e da força, enquanto a chana toda rumoreja ao ar puro da manhã. É então que vemos surgir, à distância, uma linha escura e longitudinal, que se vai individualizando à medida que dela mais e mais nos aproximamos. A meu lado, entendi o “tric-trac” característico do encaixar de uma bala na câmara da arma. Fiquei surpreso, porque a meu ver, não se divisa sombra de caça nas terras circunvizinhas

Quando damos por nós, o ponteiro do mostrador das velocidades oscila em subida anormal e o carro estremece ao esforço titânico que lhe exigem. E de repente estacamos. Nas cercanias, são vultos de galengues a mancha negra que, há pouco ainda, viramos, alastrando ao longe. Galengues, pastando na Cameia! Altos, possantes, o corpo coberto de um pelo forte e preto e com uma figura um tudo nada similar á dos bois, desfilam, diante do olhar estupefacto do nosso grupo, centenas e centenas desses quadrúpedes da fauna Angolana. Os motores das carrinhas emudecem: os homens parecem mais pequenos, perante espectáculo de tão rara majestade, e, em toda a chana só se distingue o formigar dos corpos dos galengues. Para quem ainda não teve oportunidade de admirar uma manada, como esta que está à nossa frente é difícil fazer uma pequena ideia do que seja aquilo a que chamam “horizonte móvel” da Cameia.

Sem dúvida, é dos panoramas mais surpreendentes e grandiosos, misto de beleza e de potência esmagadora, que a um caçador pode ser dado assistir durante uma vida inteira. Anhara em fora, o sol já caustica, impiedoso, os bichos e os homens que em busca deles se atreveram. E, todavia, ninguém arreda pé, nem tão pouco sente, então, o ardor da luz.

Decorridos, em silêncio, os primeiros momentos de prostração, os caçadores arriscam umas frases em sussurro, enquanto o desbobinar de um filme grava esses momentos indescritíveis. À minha ilharga, alguém perguntou se nós já teríamos pensados na riqueza incalculável que, para a nossa província de Angola, representariam manadas assim, se em lugar de galengues se tratasse, por exemplo de gado bovino…

Agora mesmo, como que a um sinal invisível, os animais largaram em louca correria, com o chefe da manada a conduzi-la para rumos desconhecidos. Um estampido, seco, e contundente, troou nos ares. Olhamos. Meia centena de metros além vemos um macho trocar as pernas, tropeçar e estatelar-se pesadamente no solo, enquanto os restantes bichos fogem a galopar. Um pequeno grupo de caçadores se abeira, então, do corpo do galengue abatido e examina com curiosidade, o animal. Mandado por nós, um serviçal negro racha depois, a golpes de “catana”, a cabeça possante do quadrúpede. e aberta esta, com que espanto verificamos estar cheia de minúsculos vermes brancos enroscados em espiral! Desviamos a vista, enojados pela cena repugnante.

Continua…