Em marcha! Em marcha! Outra vez, a chana extensa desaparece por baixo dos pneus esquentados e novamente o martelar compassado dos motores e o chiar do cascalho se fazem ouvir num ritmo adormecedor.
Aqui e além, aparecem, agora, os “muxitos” a alterar um pouco a feição da paisagem. Passamos-lhe ao largo, na nossa marcha desenfreada, porque, sob a aparente tranquilidade, reinante no emaranhado da vegetação espessa, se esconde, afinal, a morte inglória, que é lei da selva para o mais fraco.
Um pouco depois, subida a lomba de uma pequena elevação do terreno, surgem a nossos olhos algumas dúzias de cabras acastanhadas.
De um dos carros, partiu, logo em seguida, um tiro de caçadeira, que se foi perder lá na imensidão.
Falhada a pontaria, um coro de exclamações irónicas acolhe o desastrado atirador. E vamos, já atrás de um dos antílopes – precisa o que nos pareceu ser o maior – entusiasmados com a luta que se irá travando entre o carro e o animal, que nós não passamos, ao fim e ao cabo, de simples espectadores, aguardando o momento o momento azado de entrar em cena.
Metro a metro que decorre, a pobre cabra vai diminuindo a distância que a separa dos carros. Estamos certos de que não aguentará o ritmo veloz da perseguição que lhe movemos. Em dado momento, efectivamente, dois estampidos, cada um partido de seu lado, sibilaram no ar quente da anhara. Acolá, a cabra formou um pinote mirabolante, pairou no ar um instante e acabou por desaparecer entre as ervas rasas da planura. Fomos vê-la.
Do focinho esguio escorria um fio de sangue viscoso, que ia descendo em golfadas, pelo peito e caía numa poça rubra e larga, a tingir a superfície do solo.
Estava tombada de lado, a cabeça repousando junto a um montículo de areia, e nos olhos pestanudos, ainda vivos, pareciam espelhar-se a imensidão e a beleza agreste da anhara em que tantas vezes correra.
De repente, ao tocar da bota de um dos caçadores, o corpo inteiro estremeceu, retesou-se, e a cabeça ornada de dois galhos pontiagudos, ergueu-se num derradeiro esforço, enquanto um balido suave lhe brotava da boca ensanguentada, quiçá o derradeiro adeus à vida e à liberdade. Estava morta.