terça-feira, 24 de abril de 2012

ASSUMIR O 25 DE ABRIL


«Para quantos, os três D da efeméride – Democratização, Descolonização, Desenvolvimento – se foram transformando em Desencanto, Desesperança, Desespero?
Entre esses estarão, quase certamente, os homens que se foram vendo com os salários em atraso de meses, os que querem trabalhar e se arrastam sem vislumbre de emprego, os que procuram investir honestamente e se defrontam com a teia tentacular de papeis, hierarquias e propostas concupiscentes. Muitos deles serão, é bem provável, os jovens que sonharam ser médicos, ou técnicos agrícolas, e foram atirados para sociologia ou encaixados em literatura, para depois palmilhar o caminho infindável do desencontro com as portas do trabalho que por aí não se abrem. E serão ainda, possivelmente, as mães de família que todos os dias operam o milagre da multiplicação de sobras cada vez menos elásticas. Só não serão as crianças que abalam para a escola de estômago vazio porque essas, coitadas, não sabem que Abril lhes prometeu outro mundo.
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Os estômagos não têm o dever de saber captar a justeza dessas frias e bizarras comparações estatísticas intercontinentais, e a consciência de um Povo de oito séculos tem o direito de exigir para os seus filhos que a terra a que pertencem não lhes seja madrasta.
E, todavia, também é verdade que se justifica um orgulho colectivo pelo que se progrediu (pesem as imperfeições) na institucionalização e no exercício das liberdades cívicas e políticas e na modelação de regime democrático. Tudo isto escora alicerces que importa solidificar, aperfeiçoar, ampliar, no combate pela dignidade de cada homem e na preservação de valores multisseculares de identidade nacional.

O tempo urge porém. É preciso lançar por sobre os alicerces as paredes que não se acabaram e os tectos que não se começaram. É preciso que os verdadeiros ideais a que não se deu corpo ainda sejam revigorados pela coragem e lucidez de quem sabe que para espraiar a democracia e manter a liberdade é preciso cumprir a justiça.

Assumir o 25 de Abril é também, e por isso, assumirmo-nos como sociais-democratas. No nosso próprio reencontro.”
Editorial de “O Povo Livre”, 24 de Abril de 1985