sexta-feira, 9 de novembro de 2012

MUDANÇA

O Henrique escreveu este pequeno texto em 1983, num período da vida do País profundamente conturbado. Tinha 43 anos, jovem ainda, mas profunda e convictamente embrenhado na política nacional. Foi o tempo do Bloco Central, das bandeiras negras da fome, dos salários em atraso, do FMI. A mudança, que ele sentia em si próprio, era só aparente. Para nós, Família, fazia falta não o termos mais disponível. Mas percebíamos que a sua dedicação era genuína, que a família era o seu resguardo e o seu forte de abrigo. Hoje, resta, para todos, a lembrança do Homem inteiro, do Pai preocupado sempre em intervir politicamente, convicto, - os filhos e netos teriam um País melhor

“Eu não consigo usar da convicção ou da hipocrisia de afirmar que sempre fui igual a mim próprio. A vida vai ensinando-nos muitas coisas e a experiência vai marcando-nos, e os anos vão transfigurando-nos, a começar pelos cabelos brancos.

Julgo que há facetas em que o serei, por exemplo na disponibilidade total para acreditar nos outros; mesmo quando a experiência da vida me prova que essa disponibilidade muitas vezes se vira contra nós. Julgo também que mantenho, não obstante tudo, a chama interior que me leva a crer continuar a lutar por interesses de solidariedade humana e social.

Em contrapartida, penso que mudei noutras facetas. Por exemplo perdi o bom hábito de reservar algum tempo para a convivência extra profissional, ou para uma certa e sempre necessária “qualidade de vida” fora das preocupações profissionais. O género de vida que se leva nas grandes cidades, e uma preocupação, admito que excessiva, por realizar e me realizar, nas actividades privadas ou públicas que tenho exercido, enredaram-me nessa trituradora. E isto torna-nos inevitavelmente diferentes – para pior. Concedo a mim próprio a atenuante de concluir que, se consigo afinal reconhecer isto, então talvez seja capaz ainda de corrigir erros do meu sistema de vida.
 Julgo que a minha família, onde pontificam cinco filhos cujas idades vão dos 9 aos 16 anos, é quem mais tem pago com a indisponibilidade de tempo que obsta à obrigação de viver e conviver com ela mais assiduamente.


Talvez os meus filhos venham a não compreender e não aceitar isto, e essa é uma probabilidade que me apoquenta. Se isto vier a suceder, creio que a única compreensão que lhes pedirei será a de reconhecerem que não tenho andado neste turbilhão de vida por motivos de ambição material nem por ambição de cargos.

"Julgo que nenhum homem tem o direito de se recusar a dar aos outros, e a si mesmo, o contributo da sua especificidade individual e o património da sua experiência humana e profissional. Se isto é assim em qualquer período, por maioria de razão o deve ser na fase conturbada que o nosso País atravessa.
Eu acredito que não são as soluções radicalizantes e messiânicas as que farão sair Portugal do seu estado de atraso. Mas espero bem que não se repita o erro de não haver coragem, firmeza e convicção para mudar na tolerância e regenerar na solidariedade”