O Henrique escreveu este pequeno texto em 1983, num período da vida do País profundamente conturbado. Tinha 43 anos, jovem ainda, mas profunda e convictamente embrenhado na política nacional. Foi o tempo do Bloco Central, das bandeiras negras da fome, dos salários em atraso, do FMI. A mudança, que ele sentia em si próprio, era só aparente. Para nós, Família, fazia falta não o termos mais disponível. Mas percebíamos que a sua dedicação era genuína, que a família era o seu resguardo e o seu forte de abrigo. Hoje, resta, para todos, a lembrança do Homem inteiro, do Pai preocupado sempre em intervir politicamente, convicto, - os filhos e netos teriam um País melhor
“Eu não consigo usar da convicção
ou da hipocrisia de afirmar que sempre fui igual a mim próprio. A vida vai
ensinando-nos muitas coisas e a experiência vai marcando-nos, e os anos vão
transfigurando-nos, a começar pelos cabelos brancos.
Julgo que há facetas em
que o serei, por exemplo na disponibilidade total para acreditar nos outros;
mesmo quando a experiência da vida me prova que essa disponibilidade muitas
vezes se vira contra nós. Julgo também que mantenho, não obstante tudo, a chama
interior que me leva a crer continuar a lutar por interesses de solidariedade
humana e social.
Em contrapartida, penso que mudei
noutras facetas. Por exemplo perdi o bom hábito de reservar algum tempo para a
convivência extra profissional, ou para uma certa e sempre necessária
“qualidade de vida” fora das preocupações profissionais. O género de vida que
se leva nas grandes cidades, e uma preocupação, admito que excessiva, por
realizar e me realizar, nas actividades privadas ou públicas que tenho
exercido, enredaram-me nessa trituradora. E isto torna-nos inevitavelmente
diferentes – para pior. Concedo a mim próprio a atenuante de concluir que, se
consigo afinal reconhecer isto, então talvez seja capaz ainda de corrigir erros
do meu sistema de vida.
Julgo que a minha família, onde
pontificam cinco filhos cujas idades vão dos 9 aos 16 anos, é quem mais tem
pago com a indisponibilidade de tempo que obsta à obrigação de viver e conviver
com ela mais assiduamente.
Talvez os meus filhos venham a não compreender e não
aceitar isto, e essa é uma probabilidade que me apoquenta. Se isto vier a
suceder, creio que a única compreensão que lhes pedirei será a de reconhecerem
que não tenho andado neste turbilhão de vida por motivos de ambição material
nem por ambição de cargos.
"Julgo que
nenhum homem tem o direito de se recusar a dar aos outros, e a si mesmo, o
contributo da sua especificidade individual e o património da sua experiência
humana e profissional. Se isto é assim em qualquer período, por maioria de
razão o deve ser na fase conturbada que o nosso País atravessa.
Eu acredito que não são as
soluções radicalizantes e messiânicas as que farão sair Portugal do seu estado de
atraso. Mas espero bem que não se repita o erro de não haver coragem, firmeza e
convicção para mudar na tolerância e regenerar na solidariedade”