Deveria sentir-me mais saudosista, mais revoltado, porque vim para uma terra que detesto, não conheço quase ninguém, não sou conhecido, não tenho a minha casa, não tenho a paisagem que é a “minha”, não tenho o nome que lá tinha. Mas não sou! Não sou, porque a vida não parou, não sou, porque ainda tenho imensos anos à minha frente, não sou, porque sou novo, tenho fé e esperança. Fé e esperança em quê? Fé na vida, porque não sei ainda o que é a vida; esperança no futuro, porque o futuro não é aquele que passou, é esse que está aí à frente, mesmo à minha frente, à espera que eu o agarre, que eu lute, que eu tropece mas saiba erguer-me. Não, decididamente é cobardia é pobreza de espírito pensar que “não há nada mais”. Estupidez! Estupidez crassa da juventude de hoje! Eu, eu também porventura não sei o que são horas más? Alguém sabe o que é estar a estudar para tirar um curso e saber que, pelo simples facto de ser angolano (é crime sê-lo?), enquanto tudo estiver como está, eu não posso ocupar o lugar com que sonhei? Já alguém me ouviu dizer que não tenho idade para fantasias? Que a vida não é bela? Sim talvez seja uma vergonha falar como falo, rir-me do passado e dizer que tenho fé no futuro, quando não sei apontar uma realidade pela qual o possa afirmar convictamente. Talvez! Mas de uma coisa fique ciente quem quiser: para me ouvirem dizer “desisto”, para me olharem como um rapaz tombado – terão de passar por cima de mim, terão de me obrigar a baixar a cabeça, terão de me fazer chorar de desgosto. Quem quiser, quem se achar com forças para isso, então que venha, que venha obrigar-me a ver se consegue! Talvez o consigam sim, há-de haver alguém que me vença, certamente – mas que venha ele ou essa coisa. Antes, recuso-me terminantemente, recuso-me, a pensar assim e a não ter fé. Só é um Homem aquele que se vence a si próprio. Quem se vê continuamente em estado de derrotismo, de fatalismo, ou o que lhe quiserem chamar, não pode, claro, dizer que tem fé; mais: nunca esse alguém poderá sentir-se seguro de si, nunca poderá ter alegria, nunca formará ideais. Será um nulo. Mais um que cá anda por andar.
Lisboa Agosto de 1958