Em 12 de Abril do ano 2010 a vida revirou-se. Diria mesmo, re-vidou-se. Numa manhã igual a mil outras o anúncio caiu-me no colo e deixou-me perdida, “ o pai, minha querida, o pai morreu”. Sem mais. As palavras mais assustadoras e incríveis, (mesmo de não crer nelas..), que me foram ditas até hoje. Já estivera antes perto desse medo fundo que é o de perder alguém que nos é querido. Mas nesse dia, as palavras não tinham esperança, e, não tinha motivo para ir em frente e lutar. E então restou-me ficar ali. Sem reacção. A princípio, a perguntar-me mil vezes se tinha ouvido bem, a perguntar porquê e como. A gritar bem fundo a pergunta de que nada serve, “porquê”? Depois faltou-me o ar, pensei em correr e em fugir. E senti-me fugir de mim mesma, pois não havia para onde ir. E o ar a rarear e a garganta a fechar-se num nó cego. E a pergunta injusta: “porquê”? Há momentos em que nos perdemos no mundo. Claramente. E a sensação de perda é tão intensa e tão evidente que só do fundo de algo – que me pareceu ser a consciência, a razão evidente da necessidade – veio a reacção fria e cortante: “Respira, precisas de respirar…” por favor, deixa-me respirar. Não chores, não digas mais, não repitas e não me acarinhes. Deixa-me só respirar. E depois de conseguir que o ar me deixe viva, a queda. Como que um peso invisível nos ombros e a necessidade imperiosa de me sentar no chão e chorar. Não foi tristeza, foi um sentimento sem nome que me deixou mais que vazia. Um sentir assim de impossibilidade que me deixou perto da terra e da segurança de que não iria voar. E o tempo a voar nos momentos de ir despertando. Num torpor de reagir, porque sim. Nas mãos de segurar os outros. Na certeza de que assim me seguraria. E as palavras que têm que ser ditas vezes sem conta. E as respostas, sempre iguais e incrédulas como a minha própria incredulidade. E o olhar em volta à procura de espaço para existir. À procura de ser útil, para me sentir viva. E o nó a apertar, e eu, a tirá-lo para longe de mim.
Ana Nascimento Rodrigues
Um ano - Amanhã