domingo, 15 de julho de 2012

CIDADANIA DE PARTICIPAÇÃO


(…)  “Antes de mais, tenha-se presente o histórico pano de fundo sob que brotam e em que desembocam as experiências de concertação social: nas sociedades com regimes políticos que superam o modelo liberal-individualista, sem se terem transformado revolucionariamente em sociedades e regimes de modelo político autoritário ou totalitário e de economia centralizada ou, no mínimo, severamente controlada pelo Estado.
São situações que ocorrem na passagem do modelo de Estado liberal clássico, ou liberal-individualista, para o modelo do chamado Estado Social. E recordo que este, em síntese, se diferencia daquele fundamentalmente pela assunção de um papel diferente do Estado na vida económica e social, preservando a economia de mercado, mas não enjeitando responsabilidades de promoção e de orientação da vida sócio-económica, com vista à melhor consecução de objectivos de desenvolvimento, de bem estar e de justiça social. Paralelamente, esta passagem do Estado liberal-clássico para o Estado Social é acompanhada por um reforço e aprofundamento de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e pelo surgimento de novos direitos ( a título de exemplo, ao acaso, os direitos dos consumidores o direito ao ambiente).
Que razões fundamentais conduziram a esta passagem do Estado liberal-clássico ao chamado Estado Social?
(…) Um dos fenómenos cruciais localiza-se na substituição do que poderíamos chamar a mitologia do “papel natural do mercado” pelas ideias de intervenção orientadora ou correctiva do sistema político e do Estado na vida económica e social. A complexidade crescente das questões económicas e dos problemas sociais, as interdependências mais estreitas das economias de mercado, o papel fortemente reivindicativo assumido pelas organizações sindicais, enfim, o aparecimento de novos actores sociais com exigências específicas trouxeram para a arena das sociedades, a politização da economia e dos sistemas públicos de satisfação das necessidades sociais. No Estado Social, o sistema político- administrativo vê-se confrontado com a gestão cada vez mais delicada e complexa de processos de decisão. (…). Foi sendo constatado, que, em certos casos, as dificuldades de uma resposta mais bem sucedidas de ultrapassagem das crises eram menores do que noutros casos. E daí foi fazendo caminho a ideia de que a explicação para as experiências mais bem sucedidas de ultrapassagem das crises poderia radicar, exactamente, na ocorrência de fórmulas mais ou menos institucionalizadas de diálogo, participação ou concertação social, quer entre parceiros sociais entre si, quer destes com os poderes a quem caiba a tomada de decisões políticas nas áreas económicas e sociais.
As acções concertadas são, assim, concebidas como alternativa às actuações impositivas do Estado nod domínios económico e social e, portanto, correlacionadas com um modelo diferenciado de o Estado se relacionar com o mundo económico e social, ou, se se quiser com a sociedade civil.(…)
À perspectiva clássica de uma sociedade tutelada pelo Estado todo poderoso, e à concepção ortodoxa de uma representação democrática ocupada monopolisticamente pelos partidos  políticas, advogo que é preferível fazer-se vingar um modelo de regulação partilhada, que supõe e exige o diálogo permanente e sério entre o Estado e os corpos intermédios que tecem a sociedade , uma parceria, enfim, na corresponsabilização na tomada de certas decisões fulcrais, e também, depois, no  acompanhamento da sua  execução.(…). Defendo, em suma, que a concertação constitui uma função vital para as sociedades contemporâneas, se pretendermos que através dela se impeça que as funções do Estado se assumam como funções de dominação e de marginalização da cidadania de participação.”
Intervenção no “Quarto Encontro SaeR
 “Empresa e Estado: A dimensão da Concertação Social”
Lisboa, 5 de Março de 1993