sábado, 5 de março de 2011

A História de Muculo Nambuco

Vou concorrer, - aos jogos florais da Sociedade Cultural de Angola - com um conto, que, inicialmente, tem o nome de “ A História de Muculo Nambuco.” De princípio, é a história de uma tribo antiga, do tempo dos reinados negros, e sobre a qual cai a desgraça. Então Muculo Nambuco, que é o príncipe do seu povo, é obrigado a sair do seu reino em busca de um mundo melhor. Em longes terras encontra outro povo, de raça diferente, o qual é governado por uma rainha. Decerto se hão-de casar mas Muculo Nambuco, que é “luíva”, há-de voltar à terra natal e deixa a rainha negra. Isto é um esboço muito rápido e sem que eu te possa dar a certeza de que a história vai ser mesmo assim Às vezes, de um momento para o outro, posso-lhe modificar a contextura. Já a comecei e vou reproduzir-te o pouco que já escrevi:

“ Viera de longe – das bandas em que as chanas e as anharas se dão as mãos de passo a passo e se espreguiçam infinito a dentro numa caminhada de que não logra topar o termo. Porque Muculo Nambuco é caçador de profissão. Botado terras em fora de cambulhada, correm luas sobre luas sem que alguém lhe ponha olho no corpo ou boca alviçareira se abra para lhe apontar o paradeiro. Na “banza” de Nha-Caritina, ao rés do rio, as mulheres cantam agora, no amanho das lavras, tristes melopeias de saudade pelos abraços fortes do negro caçador e os velhos da tribo arengam-lhe os feitos de andarilho dos grandes matos, quando a “mutopa”corre de boca em boca, nas longas noites tombadas sobre os “h’rimbos” dos luivas. Mas Muculo Nambuco tão cedo não há-de voltar. Junho cacimbeiro andava ainda espalhando as primeiras névoas pardas e já Nha-Caritina, rei da terra Luiva e dos negros dela, perdera a conta das pragas à socapa cuspinhadas contra Zambi-ià-Meia, o deus das águas. Nas palhotas do sobado, “tchinguilos” abertos para Nordeste, de onde sopram os ventos de Caçone, os velhos da tribo têm os olhos parados de tanto mirarem os longes sem viração da terra cansada. Campos além até tão longe quanto costumam ir os batedores luivas apanhar a caça fugida, um pesado silêncio se espicha sobre o mundo em que Nha-Caritina dita a sua lei de senhor dos povos. Os negros das chotas cravadas ao longo do Luíva, o grande rio de torrentes caudalosas que à raça dera o nome, já não sabem que mais caminhos palmilhar em busca de carne para o povo faminto. E os velhos conselheiros dos povoléus tão dextros na lenga-lenga das histórias da gente luíva, meneiam a cabeça de cansaço e perdem a memória na narração das luas passadas desde que o mau tempo da desgraça caiu de espicho sobre as planícies ermas e rasas. Nha- Caritina anda de cabeça tombada sobre o peito. Está mais velho que a podre “mulemba” erguida no centro do terreiro da sua “banza” e as pernas magras já não têm músculos para passarem além da última palhota do povoado”-
A descrição, como vês, não se pode comparar aos tempos de Sá da Bandeira…É provável que este conto deva ser o mais longo de quantos fiz até hoje, mas vou abalançar-me a produzir a primeira obra de… Fundo! Não achas que, para começo, já não vai mal?

Carmona 24 de Julho 1959