Não te esqueças de emendar as inúmeras gralhas que o meu livro tem. Foi uma pena que eu cá não estivesse, pois orientando a elaboração, teria saído uma coisa muito mais apresentável. Eu volto a dizer o que sempre disse: ao reler todos estes contos não posso deixar de lhes encontrar, como única fundamental característica, a infantilidade. Por isso, nem de contos devem ser chamados. Eu cresci no espírito e, naturalmente esse crescimento havia de se reflectir infalivelmente na minha maneira de escrever.
Estou convidado para escrever para uma revista de Luanda, a “Cultura”, pertença da Sociedade Cultural de Angola. É a única revista no género que Angola possui, mas é nova e ainda não alcançou grande repercussão. Isso pouco me importa. Sabes tu porque me fiz sócio da Sociedade e aceitei enviar colaboração? Porque é, praticamente, o berço da juventude, que um dia mais tarde se poderá intitular intelectual de Angola. É quase toda ela feita por rapazes novos e estou convicto de que se não morrer, estará ali o fulcro da geração Angolana. De tal maneira que um dos membros, um rapaz de cá com os seus 25 anos, foi preso pela Pide na véspera da minha partida… Já vez o que aquilo é. Por ora enviarei um trabalho que será apreciado por uma comissão. Mandam-me dizer, depois, se agrado ou não e, em caso afirmativo, fico a colaborar. Não se ganha nada mas não me importo.
A Metrópole marcou um passo decisivo e profundo na minha maneira de ser. É natural, portanto que a maneira de escrever sem deixar de ter o cunho eternamente próprio, também tivesse “crescido”. Sei bem quão longo é o caminho a percorrer. Hoje se eu escrevesse ainda como em Sá da Bandeira, decerto desistiria por constatar que não tinha futuro. Mas eu sei - eu sinto – que o meu estilo mudou e que caminha para o amadurecimento. É uma coisa que eu não sei explicar, mas que sinto. Este ano, apenas pretendo concorrer aos jogos florais da Sociedade Cultural de Angola. De antemão, não ganharei, decerto, pois a Sociedade, como já tive ocasião de te contar, é hoje o único alfobre de escritores existentes em Angola. Não vou portanto ter veleidades que não se coadunam com o meu feitio e só seriam de admitir se eu não soubesse o que valho por enquanto. Mas concorro para me treinar, para me obrigar a mim próprio, dado esse objectivo, a escrever.
Carmona 1959