terça-feira, 22 de março de 2011

Pequenas estórias ( Valença do Minho)

Valença do Minho 11 de Agosto de 1962



Parece-me que é a primeira terra na Metrópole em que me sinto relativamente bem. Isto aqui é calmo, tranquilizante e depois do ano de nervos que atravessámos faz-me bem aspirar esta paz. O que mais adoro é ir à tarde para o pinhal descansar e depois tomar a minha banhoca no rio. Ainda não me interroguei a mim próprio sobre o que sinto por não ter ido a Angola.

Eu sou estranho, sabes? Amo Angola apaixonadamente, e todavia até aqui não tenho tido muitas saudades. Talvez porque de antemão me convenci que este ano não iria; talvez porque a preocupação de vencer o ano sobreleve tudo; talvez porque me queira acostumar a não sentir muito desagradavelmente tudo quanto não vem à medida dos meus desejos – porque quer que seja, a verdade é que é uma tristeza muito relativa aquela que tenho. Sempre pensei, muito no íntimo, que não seria assim. Mas é assim. Será que um rapaz, quando chega à minha idade, começa a sentir a sua própria vida, a sua vida independente do passado? Será que é a vida futura o que apenas começa a contar? Porquê assim? Hoje preocupo-me apenas com o amanhã e esse amanhã eu já o penso, mas desligado em larga escala de todo o meu passado. Às vezes penso se gostaria efectivamente de regressar ao passado. A princípio a minha resposta sempre foi positiva. Mas, hoje creio que o deixou de ser. Recordar não é viver. Um homem só começa a recordar e a desejar voltar ao passado quando o amanhã não lhe apresenta perspectivas. A nossa geração é uma geração de sacrifícios e vive numa época de crise, instabilidade e frustração. Quero dizer, as perspectivas de futuro não são boas. Mas eu sinto, não obstante, que há um futuro que tem de ser vivido, o mais completamente vivido. E quero fazê-lo. É por isso que em mim tudo se começa a perspectivar em termos do amanhã. E quando eu penso no amanhã, o ontem começa a surgir um tanto longinquamente. É um erro pensar que o passado pode regressar. Tenho saudades, é certo, do que passou. Tanto que gostaria de rever os lugares onde nasci e cresci. Mas nada mais do que isso – rever. Sei que encontrarei recordações, mas nada que me possa prender, porque o que me interessa é o futuro e este é tão diferente do passado…


Fotografias

Valença do Minho, margem do rio, e baluarte da muralha,- vista de Tuy