Em regime democrático, o Estado não “manda”, não impõe uma política salarial. Isso seria a negação da liberdade sindical e da negociação colectiva. Salvo em períodos excepcionais de graves perturbações e crise, que podem fundamentar temporariamente uma política salarial de algum modo dirigida pelo Estado (é o caso das leis de congelamento salarial e dos tectos fixados por lei), os governos democráticos não podem nem devem interferir unilateralmente. Isto não significa que o Governo deva ser indiferente à evolução salarial. O Governo tem, nesta área, responsabilidades acentuadas, em especial no que respeita à lei dos salários mínimos nacionais e às orientações de política salarial para as empresas públicas, cuja tutela cabe, neste aspecto, aos Ministros das Finanças, do sector respectivo e do Trabalho.
Quanto às negociações salariais para as empresas privadas, não cabe ao Governo qualquer tutela, mas é legítimo esperar uma coerência entre a evolução salarial dos sectores público e privado, sob pena de se aumentarem as disparidades e discriminações de rendimentos.
Se quiser, agora, conjugar tudo isto com a contenção do ritmo de crescimento dos preços, com o preocupante problema do desemprego, com a necessidade imperiosa de investimentos criadores de novos postos de trabalho, com a inevitabilidade de melhorias na segurança social, com uma mais justa repartição do rendimento e uma redução das desigualdades sociais, e tantas mais coisas – que conclusão surgirá?
Do meu ponto de vista, é aqui que ganha todo o significado a necessidade de se estabelecer um quadro geral de linhas de orientação e decisão, sob o qual se possa levar a cabo uma política salarial mais correcta e mais justa, interligada com outras políticas.
Parece evidente que as centrais sindicais e as organizações empresariais têm, aqui, um papel decisivo a desempenhar. Em suma, ou conseguimos, progressivamente embora, delinear e concretizar um “modelo” deste género, ou continuaremos com uma política salarial isolada do “mundo” socioeconómico, feita aos repelões de cada momento diferenciado da contratação e divorciada de objectivos de fundo, de médio e longo prazo.
E nisto tudo está, em palavras sumárias, o que considero um dos grandes desafios da política de relações de trabalho em Portugal. Desafio que é dirigido a todos: Governo, trabalhadores, empresários, sindicatos e organizações empresariais. Por isso é que seria preciso, em nome da liberdade e da responsabilidade, em nome da justiça social, da modernização da economia e da solidariedade nacional, responder a esse desafio pela via da negociação social livre e do consenso responsavelmente assumido.
Entrevista a “O Primeiro de Janeiro” (1981)
Entrevista a “O Primeiro de Janeiro” (1981)