19 de Abril de 1962
Acabo de receber a tua carta. De facto, nada sei sobre o que me contas acerca do Lumbralles. As últimas notícias que tive diziam respeito ao encerramento das Associações de todas as Faculdades e que também tinham começado a fazer prisões entre os dirigentes. Mais nada. Parece estar decidida a continuação do luto para o 3º período e estou em crer que a maioria aderirá.
Não sei que posição tomarão os professores, mas tenho a impressão de que muitos também não sabem o que hão-de fazer. Estou farto de estudar nestas circunstâncias. Anseio pelo dia em que possa começar a trabalhar normalmente, a fazer a minha vida, como me apetece e sem pressões de quem quer que seja. A verdade é, porém, que as tendências do mundo moderno são absolutamente ao inverso: o homem de hoje não é mais do que uma pequena peça de uma grande engrenagem, à qual tem de se submeter. Felizes os pigmeus e os papuas.
Ontem encontrei na caixa do correio um panfleto miserável, desses que circulam anonimamente, o qual se propunha debater o problema de Angola.
Ontem encontrei na caixa do correio um panfleto miserável, desses que circulam anonimamente, o qual se propunha debater o problema de Angola.
Pois, para eles, o problema de Angola resolve-se assim: o exército deixa de lutar e entabulam-se negociações com os terroristas.
Eram praticamente 3 páginas só a falar nos pobres pretos, vítimas indefesas do colonialismo salazarista; e uma referência muito ligeira sobre a população branca, dizendo que os interesses desta deveriam ser salvaguardados – isto para despistar. Bem sei que papeluchos destes não devem merecer a mínima atenção, mas não consigo deixar de pensar que há gente que pensa daquela maneira e que haverá muito mais gente que aderirá a esse pensar.
Nota: A 23 de Março de 1962, como consequencia da proibição, pelo governo de então, da comemoração do dia do estudante, desencadeia-se forte carga polícial sobre a academia concentrada em plenário na cidade Universitária. Faz hoje 49 anos. Foi o "luto académico"