No sábado, o meu tio “deu-me” a carrinha e sozinho, (sozinho, hein?!), fui para a estrada ver se caçava alguma coisa. Também foi maravilhoso. Foi a primeira vez que me passaram um carro (aliás, carrinha) para as mãos, sem ninguém a meu lado. Claro que não tinha interesse nenhum em caçar!!! O que eu quis foi sentir-me sozinho, no meio do mato, com uma estrada esburacada e uma carrinha a guiar! O que eu fiz e o que eu sonhei! Senti-me tão criança e tão homem ao mesmo tempo, que não fazes ideia. Em primeiro lugar, fartei-me de dar curvas e fazer manobra. Ri-me sozinho. Ri-me porque senti que a vida na Metrópole, por mais desgostos que nos traga ainda, é uma simples etapa; ri-me porque senti-me feliz e sei que o hei-de ser quando regressar a Angola. Para quê preocuparmo-nos em Lisboa ? Naquele momento era feliz. Que me importa que ainda venham dias maus? Sabê-los-emos vencer. Depois há-de voltar sempre o tempo bom. Andei mais de três horas a guiar e gastei quase meio depósito de gasolina! Quis experimentar a velocidade, e sabes a quanto cheguei? – A 110. Dou-te a minha sincera palavra de honra! Em estradas de Angola é difícil conseguir-se atingir essa velocidade, mas as estradas estão em bom estado e a carrinha desenvolve bem. Quando regressei ninguém acreditou em mim. Voltamos de novo à estrada e de novo 110. O meu tio ficou parvo…e cheio de medo, claro! Houve um momento em que a carrinha apanhou um bocado de areia e quase derrapou. Àquela velocidade, se não a aguento, era morte certa. Mas, felizmente, agarrei-me ao volante com calma e mantive-a dentro da estrada. É uma sensação formidável dar 110! Só se ouve o vento a assobiar forte nas janelas e só se vê o mostrador das velocidades. Eu senti, que naquele momento tinha a minha vida nas mãos. Bastava um simples imponderável para tudo se perder num ápice. É uma sensação de terror e de felicidade ao mesmo tempo! Tenho a impressão de que não volto a repetir o que fiz, embora o tivesse feito conscientemente.
Carmona Verão de 1959
Carmona Verão de 1959